22 de fev. de 2014

Buerarema "murcha" após explosão de conflitos e comércio beira a falência

O município já perdeu mais de 18% dos seus moradores, que foram embora para outras cidades. Enquanto isso, a economia sofre um baque de 30%. Mais de 20 lojas já fecharam as portas.
Buerarema, cercada pelo Exército, sofre reflexos de uma “guerra”, cujo pivô é a demarcação de terras (foto: A Tarde)Evasão, comércio à beira da falência e uma população acuada. Esta é a atual realidade de Buerarema, pequeno município a 20 quilômetros de Itabuna, palco de violentos conflitos e protestos, fomentados pela "queda de braço" entre fazendeiros e indígenas. Uma disputa, cujos bastidores estão cheios de controvérsias, violência e dúvidas.
A crise começou há aproximadamente oito anos e, desde então, a cidade parece estar definhando dia após dia. Para se ter ideia desse colapso, vamos começar pelo número de habitantes, que reduziu de 22 mil para 18 mil, uma evasão de mais de 18%. E Brusque, em Santa Catarina, é o destino da maioria deles. É lá que vivem cerca de 3 mil cidadãos de Buerarema.
Esses dados foram passados por Alfredo Falcão, presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) e vice-presidente da Associação de Produtores, em entrevista concedida ao Diário Bahia, por telefone, na manhã de quinta-feira, 20. "Se você pudesse vir aqui todos os sábados, veria o tanto de famílias que saem daqui. Vão embora em busca de começar uma nova vida", ressaltou.
Deixar a cidade natal, que um dia (quem diria!) já foi pacata e muito conhecida por fabricar a famosa "Farinha de Buerarema" nem sempre é uma tarefa fácil, mas foi a "luz no fim do túnel", encontrada por muita gente. Afinal, o comércio, antes pujante, está "caído", expressão usada por Alfredo, para definir a dramática situação do setor.
Muitos comerciantes não resistiram à crise e fecharam as portas. Os que ficaram lutam para vencer o paradeiro, iminente quando se chega ao local. Falcão não soube precisar o número, porém, acredita que mais de 20 estabelecimentos faliram. Entre os segmentos mais afetados, o de confecções.
O baque na economia foi comprovado numa recente pesquisa, feita há três meses, que acusou, segundo Alfredo Falcão, uma queda de 30% na renda do município. "Essa arrecadação vem de alguns convênios, outros recursos, mas não do comércio", lamentou Falcão.
Quanto à produção agrícola, responsável pelo abastecimento de alguns setores do comércio, esta também caminha, a passos largos, para o esgotamento. Sofreu uma redução, igualmente, de 30%.
E por falar em produção, a farinha, outrora produto de exportação, agora mal dá para abastecer o município, de acordo com Alfredo. Expulsos de suas fazendas, muitos produtores estão comprando a matéria-prima, no caso a mandioca, em outras cidades, como Senhor do Bonfim e Eunápolis. "São caminhões e mais caminhões que descarregam aqui", reforçou.
"Sentindo na pele"
O produtor e comerciante, José Pinheiro de Oliveira Júnior, sente na pele a "convulsão" do comércio de Buerarema. Ele é dono de uma farmácia no centro da cidade. Como fazendeiro, é testemunha e vítima dos estragos provocados pelo "furacão" chamado "invasão de terras".
Ao Diário Bahia, Pinheiro, como é mais conhecido, atesta o assustador índice de desemprego na zona rural, que afetou, consequentemente, a cidade. "Imagine 80 fazendas deixando de escoar as suas produções, como farinha, cacau, verduras, frutas, etc., e, numa média, três funcionários direto cada uma, representando um salário mínimo cada. Só aí já são 240 funcionários diretos, sem contar os contratados para a colheita do cacau. Vamos fazer uma base de 400 a 500 ao todo. Multiplique por R$ 724,00 e vai ter uma noção desse capital sem circular no município. Me refiro só à mão-de-obra, sem contar com a produção que gera mais empregos na cidade. Aí você faz uma multiplicação por aproximadamente oito anos. Não há economia que sobreviva", calculou o comerciante.
Ele se queixa que o setor farmacêutico é um dos que mais sofrem. Perguntamos o por quê. E descobrimos, ou melhor, fomos lembrados: O município está sem hospital desde 2010. "A farmácia depende muito de um hospital na ativa", justificou. Com o fechamento do único hospital e as invasões, Pinheiro computa uma queda de 40% em seu faturamento. "Isso me gerou dívidas, títulos protestados, ações trabalhistas, salários atrasados, aluguel atrasado", queixou-se.
Mesmo diante de tudo isso, o comerciante-produtor não pensa em acompanhar os conterrâneos na emigração. "Esse não é o meu plano. Eu não sabia que podia operar milagres. Na minha formação profissional, fui capacitado por uma multinacional em que tive a honra de trabalhar, para enfrentar crises e recuperar empresas falidas. Portanto, passo por dificuldades, mas o segredo é encará-las de frente, aceitar que está endividado e negociar as dívidas em pequenas parcelas que possam ser encaixadas no seu faturamento. Ou você é flexível ou baixa as portas", elaborou.
"Grito de socorro"

Pinheiro sente na pele o caos na economia do município, mas diz que não se deixa abater pelas dificuldades

Depois de um violento protesto, que resultou em depredações, interdição da BR-101 e confronto entre manifestantes e policiais (com registro de feridos), até o fechamento dessa matéria, o clima de Buerarema era, aparentemente, tranquilo. Infelizmente, não se sabe por quanto tempo.
É que, segundo o vice-presidente da Associação dos Produtores, a população está revoltada com uma declaração feita pelo governador Jaques Wagner, esta semana. Ele afirmou que a situação nas áreas de conflito – Buerarema, Ilhéus e Una – só será resolvida quando houver a demarcação definitiva das terras. E para isso tem que existir uma posição entre a Fundação Nacional de Apoio ao Índio (Funai) e o governo federal.
"O governador está colocando lenha na fogueira. Isso aqui (a cidade) está um barril de pólvora. Esse grupo armado que tem atacado as fazendas não passa de 100 pessoas. E eles mandam um Exército com 600 homens. Ninguém é preso. Os agricultores é que estão sendo vigiados, estão acuados", disparou Alfredo Falcão.

Para ele, os protestos que frequentemente se repetem são justos e a violência hoje vista na disputa pelos 47 mil hectares de terras – parte reivindicada pelos índios tupinambás – vem sendo anunciada há oito anos. "As manifestações são um grito de socorro que estava engasgado e que explodiu à custa de muito sofrimento, de mortes. Tem um produtor que levou um tiro nas costas quando sua fazenda foi invadida e está tetraplégico. Semana passada, Nilton Godoy, da Secretaria Geral da Presidência da República, garantiu que todas as reintegrações seriam cumpridas. Só foram realizadas oito e esta semana já suspenderam o processo. Caminhamos um passo pra frente e outro pra trás", criticou.
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