8 de mar. de 2012

A confissão do ex-Jorbison: ‘Poucos tomariam essa atitude’

Era uma vez um menino da  cidade do sul baiano de Camacan, localizada a 500km da capital Salvador. O sonho era o clichê básico da maioria dos adolescentes: ser jogador de futebol. Para isso, no entanto, aceitou trocar de nome e reduzir a idade em dois anos. Deixou de ser Maxwell Batista da Silva, nascido em  23 de outubro de 1989, para assumir a identidade de outro menino da mesma cidade: Jorbison Reis dos Santos, registrado em 1991.
Conseguiu rapidamente pular do Artsul para o Flamengo. Foi tratado por anos como grande promessa, ganhou um contrato longo, elogios de treinadores e até uma convocação para a Seleção Brasileira sub-20. Mas a troca de identidade o perturbava.
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O salário e a chance de jogar no clube mais popular do país não resistiram aos conflitos internos. Ao optar por se converter à igreja evangélica, Maxwell escolheu voltar à verdade.
- Foi exatamente isso que eu fiz (ir ao Flamengo e contar a história real). Meu sonho era me batizar, e não poderia fazer isso estando nesse erro. Vou me batizar neste ano. Hoje estou 100% ligado a Deus. Isso me faz muito bem. Quando vejo atletas indo pelo mesmo caminho, eu alerto. Às vezes, a pessoa só aprende passando por isso. No meu caso foi assim. Tem duas maneiras de você seguir a Deus: pelo amor ou pela dor. Tive que experimentar esses dois lados – afirmou Maxwell Batista da Silva.
Ainda menor de idade, com o sonho de sair de Camacan, Maxwell viu seu empresário apresentar para sua família uma proposta que “facilitaria” sua vida: usar a identidade de uma pessoa com dois anos a menos. Um fardo que o jogador passou a carregar.
Jorbison Alagoas treino (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)Maxwell, ex-Jorbison, sorri no Corinthians-AL
(Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)
Jogador do Corinthians de Alagoas desde janeiro, Maxwell exalta sua atitude. E fala em recomeço:
- Aqui é como se fosse um recomeço da minha carreira, tanto na área profissional como espiritual. Por isso, hoje estou em paz, com meu coração tranquilo, pois estou fazendo a coisa certa. Poucos tomariam essa atitude, só tomei porque senti que era de Deus. Isso me faz muito bem hoje.
Com o nome de Jorbison, como jogador do Flamengo e até então sem o engajamento evangélico, Maxwell caiu nas tentações do mundo da bola.
- Venho de um lar evangélico, fui criado na igreja ouvindo a palavra de Deus, isso é uma bênção. Mas, às vezes, você cai em tentação em algumas circunstâncias. No meu caso foi isso. Saí da Bahia com 16 anos para ir para o Rio de Janeiro jogar. Chegando lá me desviei, conheci coisas que nunca tinha visto. Fiquei de dois a três anos desviado. Tive um encontro verdadeiro com Deus no meio de 2011 e estou firme até hoje. A verdadeira felicidade a gente só encontra no caminho de Deus, ouvindo a palavra. No meio do futebol é muito complicado, você conhece pessoas que te facilitam muita coisa em relação a noitada, mulher... – disse o jogador.
Nova realidade profissional e financeira na violenta Pilar
Atualmente, nada de noitadas, mulheres e muito menos o glamour do futebol e da Cidade Maravilhosa. Maxwell mora num bairro nos arredores de Pilar, município que fica a cerca de 40 km de Maceió, no interior de Alagoas.
Na cidade, que tem em torno de 33 mil habitantes e é conhecida como a terra do Bagre, ruas estreitas de terra e paralelepípedos levam até o campo onde o Corinthians-AL treina, já que a prefeitura local patrocina o time.
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Saí da Bahia com 16 anos para ir para o Rio de Janeiro jogar. Chegando lá me desviei, conheci coisas que nunca tinha visto. Fiquei de dois a três anos desviado"
Maxwell, ex-Jorbison
Pelas ruas, é mantido o velho costume do interior, com famílias nas portas de casa, sentadas no chão ou em cadeiras para um dedo de prosa. Desde cedo, as biroscas da região já derramam doses de cachaças em copos espalhados pelos balcões. O aparente clima de tranquilidade, porém, não esconde um assunto comentado e temido a cada esquina: a crescente pistolagem e o tráfico de drogas.
Em diversos relatórios de 2011, Pilar aparece entre as 20 cidades mais violentas do país na relação de homicídios por número de habitantes. No fim de janeiro, um adolescente de 21 anos foi morto na praça da cidade. De janeiro até agora, cinco mulheres também foram mortas, segundo números de Conselho de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL).
Pelas ruas, é comum ver moradores com camisas do Flamengo, mas, ao serem questionados sobre o jogador, desconhecem totalmente o passado de Maxwell na pele e com identidade de Jorbison.
Maxwell divide casa com outros companheiros de time e chega aos treinos no ônibus modelo 1989 do Corinthians, sem ar-condicionado e que vez ou outra apresenta algum problema. O jogador ajuda a carregar o material de treino.
O lateral admite que ter vivido e jogado como Jorbison foi um processo de dor e perdas:
- Foi doloroso, pois atrasei minha bênção, poderia estar melhor financeiramente, mas Deus tem para mim algo muito grande, além do que imagino. Estou supertranquilo, estou bem. Como Deus mudou minha vida, pode mudar a de milhares de pessoas que estão precisando disso.
Depois da reserva, dribles e velocidade em amistoso
Jorbison Alagoas jogo (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)Maxwell em ação pelo Corinthians-AL
(Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)
No último domingo, o Corinthians de Alagoas – anunciado agora como Corinthians Pilarense por conta do apoio da prefeitura local – disputou um amistoso contra a Seleção de Pilar. Ao desembarcar do ônibus, o lateral-esquerdo pôde, enfim, falar sobre a expectativa do jogo com sua verdadeira identidade:
- A expectativa é a melhor possível. É amistoso, mas sempre encaramos com seriedade e vamos dar nosso melhor.
O lateral se apresenta, diz seu verdadeiro nome e comenta como é atuar como Maxwell, não como Jorbison.
- Eu sou Maxwell Batista da Silva, atualmente estou aqui no Corinthians Alagoano. Isso que me deixa em paz, tranquilo, feliz tanto no treinamento como nos jogos.
Com o número 14 às costas, Maxwell começou entre os reservas. Em jogos pelo primeiro turno do Campeonato Alagoano, ele chegou a ter chance como titular, mas tem figurado mais no banco. Aos 12 minutos do segundo tempo do amistoso, um carro de som anunciou:
- Saiu o número oito, Batista, entrou o número 14, Maxwell.
Jorbison Alagoas cidade (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)Torcedor do Fla caminha pelas ruas de Pilar-AL
(Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)
No campo, que leva o nome do prefeito Oziel de Barros, o lateral-esquerdo demonstra velocidade em alguns lances, pede a bola, arrisca dribles e toque de calcanhar, além de ser vítimas de algumas faltas.
Sem se esconder, com um constante sorriso mesmo diante da adversidade, o jogador cita Deus dezenas de vezes em suas declarações. Com humildade e ciente dos erros do passado, tenta reescrever sua história no futebol. Como Maxwell Batista da Silva, acredita que recebeu o perdão divino. E comenta sobre a chance de, no futuro, voltar ao seu clube de coração com sua real identidade e livre de erros e pecados.
- Com certeza, Deus já me perdoou, pois ele conhece o coração do homem. Isso é o mais importante. Foi um sonho ter jogado no Flamengo e eu creio que as portas que Deus está abrindo para mim vão além. Mas se tiver oportunidade de voltar um dia será um prazer enorme, até porque sou Flamengo de coração.
Jorbison Alagoas treino (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)Maxwell caminha após o treino do Corinthians-AL (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)
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